A escrita me ensina sobre a vida. Poucos são os textos
em que a ideia me vem decifrada. Na maioria das vezes, uma frase despenca em
minhas mãos. Fruta madura que abandona o pé, desejando passar de cor a sabor.
Ela vem sozinha. Eu que me vire com o resto. Reclama abrigo noutro lugar, e só.
Outras vezes, o texto deságua. As barragens não
suportam, o peito é pequeno para tanta vida. Tudo está prestes a transbordar. Não
há frase, apenas ideias em correnteza. Reclama socorro, o tempo urge, e só.
O mais difícil é quando a mente anuvia. O céu cinza
anuncia chuva. E, de certo, o céu vai despencar. Mas, antes disso, o raio
cortante, o estrondo do trovão. Não há frases nem ideias. Há uma voz entalada,
enlatada, que de repente explode. Reclama…, e só.
Por fim, pode o olhar se perder nesses campos
branquejantes. Ansiar por neles correr. Assentar-se confortavelmente,
contemplar. Mas, a inércia. Esse horizonte lhe seduz e causa-lhe espanto. A um
só tempo desafio e promessa. Reclama paciência e mãos para cultivar, e só.
Só preciso fazer o caminho do texto. Assim como quando
tomo a estrada e o destino me parece estranho, mas na chegada percebo que não
esqueci o percurso. Só preciso entregar-me, aventurar-me, me deixar conduzir.
Saber como tudo começa não retira as surpresas do caminho.
A escrita é um ato de fé. Aposto que chegarei num
destino. Não há plena clareza nem certezas neste solo. Ao fazer a rota percebo
que a estrada bifurca e não sei para onde ir. E também não há mais como voltar.
Preciso fazer uma escolha; várias escolhas no trajeto. Passo por estrada de chão,
caminho pedregoso. Há momentos em que tudo corre fácil e sem obstáculos. A
tranquilidade extrema pode por tudo a perder. Olhos atentos. Tenho medo dos
declives e as ascendências não causam menos desespero. Continuo, preciso chegar
ao fim. Não o avisto. Apenas vou. É a minha cegueira que produz a minha visão.
O fim da linha começa a se desenhar.
A escrita é sono noturno, é entrada em elevador. Fecho
os olhos e espero acordar, chegar. Confio que o descanso e a parada também
ajudam e proporcionam caminhos que independem de mim. Lanço-me nos braços da
morte para alcançar a vida. Poder abrir os olhos e com ela encontrar é quase um
sonho.
A vida ajuda-me a escrever. A escrita ajuda-me a
viver. A vida lança-me para a escrita. A escrita mostra-me pelo canto da janela
a vida. Arrasta a cortina e me diz: “você sabe como se faz”. Abro a porta,
ponho-me a caminho, hesitante, cambaleante. Cravo os olhos no chão e vou. Talvez
haja outros começos. Ainda precisarei tentar. Por ora, tento não esquecer que a
vida é um ato de fé.
Faço o pequeno trajeto. Chego até o elevador. Entro.
Faço uma oração de desespero. Sempre penso se é melhor estar só ou acompanhada
em caso de pane. Sempre penso na pane. Sou sacudida pela abrupta chegada. Só
preciso continuar.
Coloco um pé depois o outro. Percorro o corredor
vazio, olho as portas fechadas. Paro para ler um cartaz. Ele faz despencar algo
dentro de mim. Não é frase, não é fruta. Colho a tristeza que cai. Saio
correndo. Caminho, só. Encontro um lugar seguro. Ponho-me a escrever. E esse é
o lugar onde por ora chego. Com a vida, com a escrita.
É assim. Exatamente assim. E-xa-ta-men-te.
ResponderExcluirUfa... é bom não estar tão só!
ResponderExcluirExcelente isso!!! Muito, muito bom!!! Mari, você escreve muito bem! Parabéns! Viva a escrita! Viva a Vida!!!
ResponderExcluirDelícia seu entusiasmo com a vida e com a escrita, Marô. Vamos que vamos, né? Obrigada mais um vez.
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