Tenho percorrido minha história. Um vai-e-vem constante,
característico de quem não consegue habitar o presente. Ou, mais
especificamente, de quem não consegue habitar o passado mais recente deste
presente, no qual, afinal, é impossível de se viver. Não consigo me lançar para
o futuro com esse amontoado de passados que me habita. Todos eles fazendo coro,
apontando numa direção única, mas ainda difusa, reforçando a construção que se
fez no curso dos anos. Mil pontos de luz, pouca luz nestes pontos.
Precisarei de um especialista, de um guia espiritual,
de um amigo, dos meus pais, dos que pouco me conhecem, dos que moram comigo
para desvendar tanto mistério? Tenho solicitado a ajuda de muitos dentro de
mim, quando finalmente chego à conclusão que preciso andar sozinha. Mas esse é
justamente o meu problema. Ando só, ando à margem, ando num mundo imaginário
desde que... Não consigo encontrar o fio dessa narrativa. Tão mais fácil
estar no mundo, tão mais simples se colocar no tempo. Mas, me escondo, me calo.
E a única forma de existir é o texto.
Um soluço explode. Um ponto nevrálgico da dor foi
tocado. Minha escrita é janela aberta quando o mundo não mais me habita. Nessa
casa, espaço de segurança e clausura, me fecho. Neste silêncio gritante, que me
aprisiona com as minhas tantas palavras, corro para o texto. Uma lufada de ar.
A escrita é meu remédio e minha doença. Meu primeiro encontro com ela: caderno
posto sobre a janela, olhar no papel, lágrimas. Minha visão mais clara do
momento. Ela é a cortina que me protege do mundo, que me priva do mundo. É um
modo de em mim morar.
Houve um tempo em que a pedra era apenas pedra. Que eu
caminhava entre as gentes. Perdi a companhia das palavras, mas vivi na beleza e
na gratidão dos tempos. Lamentava não mais escrever. Afinal, a vida passava sem
registros. Passava. Mas me era leve. Vivi na simplicidade daquele que no fim
não terá nada a deixar, mas que viverá até o fim. Não sou eu que dito essa
ausência ou presença das palavras. Elas vêm ao meu socorro. E depois me livram
de suas muletas. Vão-se embora, sem mais. O salto de onde estou para onde
deveria estar é a procura que elas me proporcionam.
Sempre quis contar histórias, conhecer universos mais
ricos que o meu, fazer longos enredos ou simplesmente ouvir o meu tempo. Mas a
vida, ou a falta dela, me deu essa escrita-lágrima, que escorre num amontoado
de imagens, descrições vazias para quem não embarcou nesse barco, quem não foi
sacudido por essas ondas. Para quem não sofreu por ver e tocar o mais profundo
de si. Quisera ainda falar das contingências diárias, contar as dádivas
recebidas, prestar um louvor ao Criador. Mas nada disso precisa de cura. Eu
preciso. Tudo isso pode esperar até que eu me levante dessa inércia, empurrada
pelas palavras, para, enfim, escrever. Escrever?
Elas habitam a
minha alma. E minha vida anda tão vazia de vozes... Nesses textos,
sobrevivo. E sou grata por esse lugar que me recebe, não sem certa austeridade,
mas onde não tenho medo de falar. Ó, Verbo, vem em meu socorro. Estou cercada
de adjetivos, rodando em círculos, presa na frase. Sempre ornando com as
palavras, costurando para não cair nesse buraco feio da existência. Ordena, tu que criaste a partir do caos. E ajuda-me a sustentar a minha criação,
quando os sete dias enfim se passarem e o descanso chegar. Limpa essa pérola
que achei incrustada em mim, na minha reclusão. Faz dela um pingente bonito que
passeia pelo mundo, a fim de recolher as suas belezas. Por ora, o peso dessa
capa pesada esconde a minha essência: alegria. Mas meus olhos estão fitos nela.
Quero trazê-la para fora de mim. Para que possa luzir nos olhos desse pingente
feito de brilho e opacidade. Até que tudo seja novamente, escrevo.
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