Antes de despedir-se com beijos e fazer as habituais
recomendações, ela me diz: Escreve.
Continue a escrever. Num relance de luz que liga os tempos, vejo-me na
cozinha ou na sala de casa, caderno nas mãos, solicitando com o olhar a sua
escuta para a leitura de mais um texto recém-chegado. Uma vez mais ela cria um
espaço no tempo, assenta-se, respira fundo e, na última frase lida, abre um
sorriso. Ela sonha que eu encontre outros ouvidos na minha jornada. Sabe que o
mundo tem pressa para a poesia. Sob o seu olhar melancólico, saio balançando meu caderno e andando num mundo de papel. Até chegar nas flores de agora.
Escrevo.
Quando o broto começa a abrir, desabrocha
também aqui dentro a vida. O que por meses se esconde, explode abruptamente
diante dos olhos e encanta. E eu, qual potrinho correndo pelo pasto, sou
criança cavalgando livre para abraçar o vento. Salta a esperança de maneira
incontida, eufórica, quase sem lugar dentro do peito, ao ver o verde que desponta. As vozes internas dançam
em ciranda, seguindo uma música há tempos esquecida. Do calor produzido no
peito, uma faísca escapa do olhar.
Quando o broto está prestes a sair, é violento
e doloroso. O grito incomparável é testemunha do instante em que o céu do
paraíso escureceu. O corpo é rasgado. O suor escorre. Atravesso a fronteira da
dor e do desespero. Há os que observam, há os que esperam, há os que tocam. Por
um instante, toda a vida resumida a uma tarefa única. Nenhum direito sobre si,
nenhum pensamento além. É preciso que ele venha. Em meio a trevas, dá-se a luz.
E o sol, fulguroso, irrompe na noite quando ele chega.
Vejo da minha janela uma árvore de verdor
estonteante. Ela, que um dia também foi broto, ladeia uma das vias da cidade e empresta beleza aos passantes. Os fracos galhos invernais foram tocados
pelos dedos da primavera. E, quando menos se esperava, alguém anunciou
que a vida escondida enfim chegou. Foi assim com ela, foi assim com todas
plantadas ao seu lado. A solidariedade arbórea se reproduzindo há séculos, à
espera de florescer. Na mudança da estação, o milagre de nascer explodindo
diante da humanidade.
No mistério que carreguei em mim, comunicamos. Umas
com as outras. Eu com ela: uma amizade de broto e árvore transformada em
cumplicidade de muitos ramos. O abraço que nos
damos hoje, no entrelaçar de muitos galhos, tem os braços da história.
Conheço-o, meu broto. Conhece-me, minha árvore. Conhecemo-nos, ambas. O sonho
que me ultrapassou, entendo-o agora. Na matéria que a árvore produziu, tracejo.
Leio alto para outros ouvidos o texto. Como ela, projeto, numa espécie de
desejo sem fim, a plenitude do jardim para o coração do broto. Mas, na noite da
cidade, braços erguidos com outras árvores-irmãs, o que esperamos de fato é a luz primeira chegar.