sábado, 9 de fevereiro de 2019

Ah, menino...

Sobre a mesa de café, ele constrói seu mundo. Pão mordido vira barco, queijo cortado é cama de boneco, colher em cima da vasilha de cereal é ponte. Joga hokey com os dedos das mãos. Atrasa a refeição, brinca com o tempo. Conta histórias, canta. Come no seu ritmo. Mais uma música, outro causo. Meu Deus! Mostramos o relógio na parede. Urge a hora de sair. A figura hostil que nos apressa é para ele sinônimo de diversão. Os ponteiros vão rápidos, né? - pergunta. Sim - respondemos ansiosos. Ele recebe com calma a resposta. Com a serenidade de quem sabe bem observar. Veste roupa. Cinto é cobra. Vai para o quarto. Colcha da cama é piscina de golfinho. Depois do banho, toalha é asa de passarinho. E ao se arrumar, as duas botas juntas, asa de helicóptero ... Segue assim, criando um mundo paralelo, invisível, presente. Ah, menino, seu mundo é enorme! Ensina-me a transformar esse meu mundo repetido! Vamos, acorda essa criança preguiçosa dentro de mim. Com que água você lavou os seus olhos essa manhã? Mas, escuta menino, eu também quero que você seja grande. Que saiba por a mesa e colocar sob ela leite, manteiga e pão. Quero que você sinta o cheiro do café que você mesmo preparou. E que também veja um menino se vestir e segurar o tempo em suas mãos. Que você tenha hora para o trabalho, e olhe os frutos deste com gratidão. Pois a vida é dádiva, pequeno. Hoje eu conto seu tempo, amanhã você mesmo o contará. Hoje você resgata uma menina escondida. Logo será você quem será encontrado. É sábio, ó menino, que você se torne homem. E que pense e reflita como homem. É necessário, meu menino, que eu me torne menina. E, como criança, alcance o reino. Mas, por ora, anda pequeno. Enquanto não chega a eternidade, você vai me ensinando a imaginar outros mundos; e eu vou te contando como é crescer e contar o tempo.

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