terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Pós-parto

Se parto, parto. Vou por caminhos insabidos, terra movediça, estrada com poucas pedras onde pousar os pés, instabilidade. Se parto, posso partir. A vizinhança com a morte é assustadora. Nunca ela esteve tão perto. O medo e a coragem numa queda de braços, medindo forças tão iguais. Olhando-me como se a partir de agora nenhum deles pudesse mais vencer. Terei de leva-los comigo, num paradoxo cortante. Partiremos juntos. Eu partida. Eu inteiramente plena do agridoce da vida. Temerei partir, quando no êxtase da dor parturiente. No parto, ultrapassarei a fronteira. A morte acenará para a vida. Nos braços da fragilidade será entregue o frágil ser. Ele teme, ele chora, quer acalanto. Ela teme, ela chora, mas é hora de acalentar. E se ela se for de repente? E se ele se for sem adeus? Parto. A dor da partida ainda presente. Passada a experiência, percebo-me, mais do que nunca, nas fileiras da morte.Tanta vida enche meus braços, uma nuvem escura toma meu coração. Trago para mais perto o pequeno ser. Filho, que não me roubem essa plenitude. É tanta bondade que carrego que temo. Que esse momento não escoe entre os meus dedos. Seguro-o. Seguro-o como água. Pois a vida escorre. E não há posse, só empréstimo. Meu corpo pós partida: partido, cansado, irreconhecível. Cindida estou. Por ora, só quero reagir. Mas o corpo está fragil e a frágil mente se põe a divagar. Ainda me virá a salvação. Aguardo. O Pai passará de mim o cálice. Pós parto é monte das Oliveiras, lugar de clamor e solidão. Mas, os amigos à volta despertam do sono e escutam o chamado à oração. Vamos juntos. Ninguém é Deus na dura tarefa de cuidar. Oramos. Que Ele nos socorra. Ajude-nos a carregar nossa cruz. Partimos. Dias de alegria se seguirão. As sombras ainda darão lugar à luz. Que não me esqueça, porém, da dureza de encarar os olhos da morte. Neles a densidade que a vida tem.

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