Ela se impôs este silêncio. Dentro de si, a alma se
debate, quer se tornar voz. Mas ela a trancaficou. Cerrou os lábios, emudeceu.
O único som que de si se ouve é o pestanejar dos olhos arregalados, apavorados.
O rosto ovalou-se, o peito comprimiu-se. E agora duas mãos em sua garganta
seguram o sopro que lhe quer sair.
Os dedos tapam o teclado em alvoroço, como se
apalpassem uma parede em busca da saída escondida. Apenas na tela o corpo se
exprime. Não sem medo, mas se exprime. Descreve para si mesmo o que vê; de si
mesmo, um outro. Revive a cena a fim de se encontrar, a fim de que alguém lhe
acene e aponte a saída. O fim. Quem sabe encontre um letreiro vermelho
piscando: fim da escuridão.
Estou farta de você - escuta. Dessa dor que te esmaga, desse sorriso
que se esconde. Farta desse medo que te apavora. Ela se assusta e sente uma
mão puxar-lhe. Não sabe muito bem para onde. No início parece uma fuga, mas
logo entende que é uma dança. Rodopia - lhe diz. Ela tem dificuldade de
seguir a melodia. Tropeça, cai, levanta-se, cai outra vez. Nem sabia que havia
música em torno de si. Mas há. Apenas ouça e siga o ritmo. Basta seguir o
curso do rio.
Ela olha e vê água congelada por todo canto. Cante,
se preciso for. Invente os pássaros que não podes ver. Traga-os da tua terra pra
cá. Desenhe verde nas árvores. Ou pinte-as das cores que quiser. Tire do bolso
a tua maneira. Enxugue da tua face o suor da tua caminhada. Coloque tempero na
tua comida. Deixe ouvirem o rufar dos tambores no teu peito. Mostre os fogos que brilham no teu céu.
Ela carrega a sua cruz, e todas que pode. No seu
caminho não há ninguém para dividir o peso com ela. Acredita estar só. Seus
joelhos enfraquecem, quer quedar-se e no chão ficar. Seus pensamentos bambeiam
as suas pernas e ela só pensa em ficar. Mas, de repente, essa voz. Corre para
abraçá-la e não perdê-la de vista. É uma promessa, uma tentativa, uma aposta.
Não consegue mais ouvi-la. Quer que se torne sua. Quer transformar o imperativo
em verbo seu; da sua boca, no passado. Quer. Faz de conta.
Saiu a menina. Fugiu desse canto. Empurrou pra fora o seu canto. Reparou as dores dos homens, as cores dos homens. Ofertou a eles as suas flores. Deixou o ar levar as suas palavras. Leve. Sob a luz da lua, do céu que trouxe para si, no alto do monte, entregou a Deus o dia inteiro. Preferiria ali ficar. Sempre ficar. Uma tenda para si no alto do monte. Lugar seguro. Mas o dia amanheceu e ao pé do monte há gente, muito a se fazer. Desce. Tanto dentro de si. As suas vozes se misturam. Fala. Ela se reconhece de novo. E volta a contar histórias.
C'est une grande introspection! Congratulations! :)
ResponderExcluirSim, sim. Obrigada!
ResponderExcluirMari, eu li esse texto sem nem respirar, pelo menos não senti a respiração. Gostei muito.. isso é muito denso, estou me identificando nas suas palavras. Obrigada por compartilhar e viva o texto!
ResponderExcluirObrigada você pela leitura. Tenho sentido mesmo algo em comum entre nossos textos. Viva!
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