quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Escrever?


Preciso realizar um empréstimo entre bibliotecas. O correio eletrônico chega e anuncia-me mais um título indispensável à minha tese. Enquanto isso, outro livro, que já havia pedido, me aguarda para ser retirado. Tenho algumas obras a serem lidas sobre a mesa de estudos. E fiz planos de terminar uma literatura de lazer, sob o meu criado mudo. Logo começarei um livro sobre educação de filhos. Na mesa da sala, um catálogo sobre maternidade me aguarda. Preciso aprender o vocabulário para o dia de dar a luz. Uma experiência estrangeira bate à porta.

Checo e-mails, acompanho um pouco de política, respondo alguém que me chama nas redes sociais. Preciso averiguar o documento que pedi e não chegou: lembrar os outros do seu trabalho. Burocracias não resolvidas. Vou acompanhar o andamento. Ou a estagnação. Uma consulta marcada para a próxima semana. Alguém confirma a marcação e pede que eu chegue mais cedo. Hora para tomar os remédios, para medir a glicose, para comer no tempo certo.

Um amigo espera a confirmação de um encontro. Preciso pensar o que teremos para o almoço de hoje, e para a janta, e se as frutas acabaram, e se ainda temos legumes, e se descongelei a carne.

Toca o alarme do celular. Recebo uma mensagem. Atendo ao telefone. A louça está na mesa para ser recolhida. É preciso recolocar a casa em ordem, desorganizada pela detetização das baratas. Antes que o bebê chegue, compras ainda para fazer. Mas é final de semana e todos precisam descansar. Escolho o lazer da família. Organizo horários. Penso na comida, novamente. Ingressos a serem comprados com antecedência. Cronometro o tempo. Considero como iremos nos deslocar.

Leio a Bíblia no celular, faço grifos. Preciso preparar uma lição bíblica para a minha criança. Oro. Oro pedindo socorro, oro agradecida, oro para que sejam guardados os meus, os outros, os amigos, as nações. Há de surgir um momento para o exercício físico. Farei isso na hora de buscar o menino na escola, e de pegar os papéis prometidos, e de efetuar as transações bancárias.

Não sei em que canto a escrita ficou, mas é penoso vê-la surgir do furacão. Que ela me devolva o ar, que seja um tempo entre tempos. Que me traga o silêncio. Nessa música em rápido andamento, seja ela o momento em que a baqueta do maestro é erguida. Em que o eu e o mim mesma se encontram. Em que vejo as gentes e não apenas passo por elas. A escrita não é a minha salvação, mas o meu fôlego. Presente do Criador. Momento em que contemplo, descanso e aprecio. E, como Ele, sei o que é muito bom.

Contudo, ainda não cheguei ao sétimo dia. E os seis que lhe antecedem são tão cheios como foram os da criação. Exagero na metáfora, escolho mal as palavras. Faltam-me imagens e a poesia me escapa. Lembro que fiquei de procurar algo para alguém. Onde estará o papel? Onde o meu papel, apenas meu? Busco e não encontro. Não há um, mas vários. Respiro. Assumo todos os que posso. Os que não posso, lanço-os em Suas mãos. Tudo é vaidade. Não corro atrás do vento, sou soprada por ele. Eu e a escrita dançando no ar.

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